Com o
agravamento da crise fiscal, a União, os Estados e alguns municípios
lançaram mão de uma receita já conhecida para tentar recompor as
finanças: o aumento de impostos.
Desde o início do ano, 19 Estados e mais o Distrito Federal elevaram alíquotas em algum tipo de tributo.
No âmbito federal, ao menos cinco produtos tiveram aumento na
alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), além de
mudanças no Imposto de Renda para remessas ao exterior e no PIS/Cofins.
O sucesso das medidas, no entanto, está ameaçado diante de uma atividade já enfraquecida.
Entre os tributos estaduais que subiram estão o ICMS, que incide sobre a circulação de mercadorias e serviços, o IPVA e o imposto sobre heranças e doações.
A gasolina, por exemplo, foi alvo de aumentos de imposto em boa parte dos Estados que elevaram outros tributos.
Em Alagoas, Tocantins, Rio Grande do Norte, Piauí, Pernambuco, Paraíba e Goiás, a alíquota de ICMS
sobre o combustível saiu de 25% para 27%. No Distrito Federal e em
Goiás, passou para 28%, enquanto o Rio Grande do Sul sustentou a maior
elevação, para 30%.
Bebidas, cigarros, cosméticos e serviços de comunicação também foram alvo de altas no ICMS.
No caso do imposto sobre heranças e doações, Estados como Rio de
Janeiro, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Sul, Maranhão e o Distrito
Federal substituíram as alíquotas únicas (entre 2% e 4%, dependendo do
caso) por tabelas progressivas que agora podem chegar a 8%, conforme o
valor de referência.
No IPVA, que subiu em 12 Estados e no Distrito Federal, foram
atingidos desde os automóveis até embarcações e aviões. No Rio, a
alíquota sobre os veículos flex (maioria no mercado) subiu de 3% para 4%
sobre o valor, enquanto o governo gaúcho encurtou o calendário de
pagamentos.
IMPACTO
"No ano passado, o brasileiro trabalhou 151 dias para pagar tributos sobre consumo, propriedade e renda.
Agora, com esses aumentos, estamos estimando um acréscimo de três
dias: 154", diz João Eloi Olenike, presidente do Instituto Brasileiro de
Planejamento e Tributação (IBPT).
Para ele, a elevação nas alíquotas trará impactos sobre a carga
tributária do país e também sobre a inflação, que, de acordo com o
Boletim Focus, do Banco Central, deve atingir 7,5% em 2016.
"Não é possível ainda mensurar o tamanho do impacto. Isso vai
depender do quanto os fabricantes e varejistas irão repassar aos preços
dos produtos", diz.
Felipe Renault, professor de Direito Tributário do Ibmec/RJ, nota que
o movimento contraria o cenário atual de redução na atividade econômica
e restrição nos orçamentos de empresas e famílias. Além disso, a
ausência de retorno em investimentos e melhorias contribui para a
insatisfação diante das medidas.
"O Brasil não está entre os países com maior carga tributária, mas
acarga tributária é muito alta e o país não oferece a contrapartida
esperada. Então, qualquer aumento de tributo não é bem-vindo. Por isso
essa sensação de mal-estar", diz Renault.
No Rio de Janeiro, o professor questiona a legalidade de taxas
criadas pelo governo de Luiz Fernando Pezão (PMDB), como a taxa
trimestral sobre serviços tributários, que varia de R$ 2,1 mil a R$ 30
mil. Par Renault, não se trata de um serviço essencial, e a cobrança é
"desconectada da realidade".
A Secretaria de Estado de Fazenda do Rio avalia que a taxa é
constitucional, criada por Projeto de Lei votado pela Assembleia
Legislativa.
"A taxa tem o objetivo de garantir os investimentos necessários para
que a receita estadual possa atuar com eficiência na prestação de
serviços aos contribuintes, mesmo em meio à grave crise financeira
enfrentada pelo Estado", informa a Sefaz-RJ.
No Estado, foram criadas também taxas de fiscalização de energia
nuclear e termoelétrica e de petróleo e gás."No ano passado, o
brasileiro trabalhou 151 dias para pagar tributos. Agora estamos
estimando um acréscimo de três dias."
FRUSTRAÇÃO
A nova leva de impostos vai pressionar a carga tributária do país em
2016, mas a arrecadação final pode cair, de acordo com especialistas,
frustrando planos de engordar os cofres públicos.
Isso porque muitas empresas, já sufocadas pela crise, acabam sem
condições de produzir ou prestar serviços. Como resultado, a chamada
base tributável diminui, ou seja, menos pessoas e empresas pagam
imposto.
"O governo quer elevar a carga tributária, mas isso pode ser um tiro
no pé. Uma coisa é fazer isso com a economia a pleno vapor. Outra é
quando se está em franca decadência", diz Guilherme Mercês, gerente de
Ambiente de Negócios e Infraestrutura do Sistema Firjan.
"O que o governo pode colher no fim das contas é uma queda na arrecadação."
Tathiane Piscitelli, professora de Direito Tributário da FGV-SP, também prevê que o "impostaço" pode ter um efeito reverso.
"Existe um limite de até onde você pode tirar do particular. Com o
cenário de desaceleração econômica, queda nas vendas e na renda, apertar
ainda mais pode ter o efeito contrário."
Raul Velloso, especialista em contas públicas, acredita que o aumento generalizado nos tributos é um "ato de desespero".
"Não há garantia nenhuma de que esse aumento de alíquota vai trazer aumento na arrecadação", diz.
Ordélio Azevedo Sette, da Azevedo Sette Advogados, diz que a carga
tributária, hoje em torno de 34% do PIB, pode estourar os 40% ao fim do
ano.
"Teremos um crescimento real da arrecadação mesmo com a queda do
PIB", diz. "O efeito é sempre o de agravar a situação do contribuinte."
Em meio ao debate sobre o sucesso das medidas, economistas veem a
oportunidade de reformar o sistema tributário brasileiro ir pelo ralo
diante da paralisia no âmbito político.
"Qualquer reforma tributária no País demanda uma maturidade
político-institucional que ainda não temos", diz Renault, do Ibmec/RJ.
A unificação das alíquotas do ICMS
e a junção de tributos em um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) seria
um grande passo, diz Renault. O modelo já é empregado em países da
Europa e nos Estados Unidos. O problema está na desconfiança dos
governos em relação aos demais.
"Há um clima de tensão inegável entre Estados, que claramente não confiam no governo federal para unificar os impostos", diz.
Por outro lado, os resultados do Simples Nacional dão esperanças de que a reforma pode um dia sair do papel.
Outra alternativa seria tornar a tributação mais igualitária entre os setores.
Hoje, a indústria de transformação tem uma carga tributária superior a
45%, segundo cálculos da Firjan. Já a agropecuária e a indústria
extrativa são cobradas em menos de 6%, enquanto a carga sobre os
serviços é menor que 18%.
"Obviamente poderia ter arrecadação maior com redistribuição da carga
tributária. É uma boa hora para rever essa base, que é de 50 anos
atrás", diz Mercês.
"O governo quer elevar a carga tributária, mas isso pode ser um tiro no pé."
Fonte: Estadão Conteúdo
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