Na última década fomos surpreendidos por novidades tecnológicas,que
mudaram a maneira como lidamos com questões cotidianas. Pagar uma conta
não exige mais boleto, podemos fazer isso pelo celular. Filmes podem
ser vistos quando e onde quisermos tendo à disposição um computador,
notebook, tablet ou smartphone com internet. Um emoticon de smile vale
mais do que mil palavras faladas ao telefone.
Claro que essa revolução de bits e bytes não passou despercebida pelo
Estado, que nos últimos anos se empenhou em adequar as legislações
vigentes para englobar esses novos modelos de negócios. É louvável a
necessidade de regulação para alguns modelos, mas há quem diga que essa
boa intenção esconde uma insaciável necessidade arrecadatória.
A polêmica mais recente envolve a chamada “Lei do Netflix”,
que pode obrigar as empresas que transmitem conteúdo de vídeo pela
internet a pagar o Imposto Sobre Serviços (ISS), um tributo municipal.
O ISS pode ter alíquota de até 5%, que se não for assimilada pelas
empresas, inevitavelmente será repassada para os consumidores.
Para o advogado Leonardo Zanatta, especializado na área de Tecnologia
da Informação, a cobrança de ISS pode abrir precedentes para que outros
tributos incidam sobre esse tipo de serviço, a exemplo da Contribuição
para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional
(Condecine).
“Aí corremos o risco de o Netflix perder o interesse no Brasil, como
ocorreu no México. Por lá, o estado tentou abocanhar a receita da
empresa de todas a maneiras e o serviço acabou no abandono”, diz o
advogado.
Para Zanatta, o que está por trás da tributação sobre o Netflix vai
além da necessidade arrecadatória dos governos. Envolve também a velha
disputa entre o mercado tradicional e o inovador.
“Nem sempre o tradicional é bom porque pode, simplesmente, estar
estancado no tempo. É o que vemos na disputa entre Uber e taxistas ou
entre WhatsApp e telefônicas”, diz o advogado.
É o Netflix que está sob os holofotes atualmente, mas o impacto
da medida analisada pelo Congresso poderia afetar muitos outros serviços
de Internet que acostumamos a usar nos últimos anos.
A “Lei do Netflix” foi originada do Projeto de Lei do Senado (PLS) nº
386, apresentado ainda em 2012 com a única intenção de dirimir a guerra
fiscal do ISS ao fixar uma alíquota mínima de 2% para o imposto.
A lei nasceu simples, mas como é de costume, sofreu várias mutações
ao tramitar no Senado. O texto passou a prever a incidência do ISS sobre
serviços multiplataformas de mensagens instantâneas (WhatsApp e
Facebook), serviços de armazenamento de dados (Icloud, Dropbox, Google
Drive) e as lojas virtuais de hospedagem de aplicativos (Apple Store,
Google Play).
Só ao chegar na Câmara dos Deputados é que o texto mutante voltou ao
normal, com a exclusão - por enquanto - desses outros serviços, mas
mantendo a tributação sobre aqueles similares aos prestados pelo
Netflix.
O texto agora voltou ao Senado, como um Substitutivo da Câmara (SCD)
n° 15/2015, onde as alterações feitas na Câmara serão analisadas.
A POLÊMICA
Para muitos advogados, a cobrança de ISS sobre os serviços prestados pelo Netflix afrontaria a Constituição.
Por esse raciocínio, o erro começaria ao tratar o modelo de negócio do Netflix como sendo um serviço.
“Tem quem considere esse tipo de negócio como locação”, diz o
advogado Mateus Adriano Tulio, consultor tributário do escritório Marins
Bertoldi.
O texto do SCD n° 15 descreve aquilo que o Netflix faz como
“disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdos de áudio, vídeo,
imagem e texto por meio da internet”.
Na interpretação de alguns, disponibilizar, sem cessão definitiva, se
assemelha a uma operação de locação de bens móveis, uma modalidade
sobre a qual não pode incidir o ISS.
Interpretar esses novos modelos de negócio não é simples. Tulio
lembra que, no Senado, quando os legisladores incluíram na “Lei do
Netflix” o ISS sobre lojas virtuais de hospedagem de aplicativos, como
Apple Store ou Google Play, simplesmente ignoraram que esse tipo de
negócio já tinha previsão legal para ser tributado pelo imposto
municipal.
“A Apple Store vende aplicativos que são feitos por outros
desenvolvedores. Ou seja, a loja faz uma intermediação de negócio, a
exemplo de um mercado no qual se pode carregar celular ou pagar boletos.
Já há previsão para incidência de ISS sobre esse tipo de negócio”, diz o
advogado.
Para Túlio, dificilmente os novos modelos de negócio, que envolvem a
transmissão de dados pela internet, escaparão dos impostos. Ele lembra
que, recentemente, o governo do Estado de São Paulo autorizou a cobrança
do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre download de softwares.
Até então o ICMS
incidia apenas sobre o meio físico usado para distribuição do software,
como CDs ou DVDs, que hoje, na era do download, praticamente não são
mais usados.
Para o advogado Marcelo Dias Freitas Oliveira, especialista em
Direito Tributário do escritório Bertolucci & Ramos Gonçalves,
haveria o risco de bitributação quando as legislações estaduais
encontrarem a Lei do Netflix. “Um aplicativo pelo qual se paga ICMS
ao ser baixado pela internet, e que tem um serviço embutido, como, por
exemplo, um aplicativo de GPS, também pagaria ISS”, diz Oliveira.
Fonte: Diário do Comércio - SP
Nenhum comentário:
Postar um comentário