Entrada de
Luiz Inácio Lula da Silva no comando da Casa Civil deve provocar
mudanças nos rumos da política econômica do País. Apesar de não ser um
cargo ligado diretamente à economia, há um consenso entre especialistas
de que a figura do ex-presidente pode ser decisiva para a área.
“Se você me perguntar se um ministro da Casa Civil tem influência no
Ministério da Fazenda, eu te direi que, em tese, não tem e que tudo
depende do ‘tamanho’ desse ministro. Se estamos falando do Lula, então a
resposta é sim: ele terá influência”, avalia Ricardo Balistiero,
professor de administração do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT). O
ex-presidente assumiu a pasta ontem a convite da presidente Dilma
Rousseff. Jaques Wagner, que estava na Casa Civil, foi para a chefia do
Gabinete Pessoal da Presidência.
“A Casa Civil tem contato político com o Congresso e filtra as
demandas que vem do Legislativo. É um cargo importante nesse momento, já
que o governo não tem nenhuma força junto ao Congresso e o Lula sempre
teve uma boa capacidade de articulação com a Câmara”, diz.
Apesar do poder de influência, o professor do IMT e Clemens Nunes, da
Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP) acreditam que pautas como
a Reforma da Previdência e a recriação da Contribuição Provisória sobre
Movimentação Financeira (CPMF) serão ‘enterradas’ de vez nesse momento,
diante do desgaste políticos provocado pelos escândalos de corrupção.
“Nem quando o Lula tinha aprovação da maior parte da população ele
conseguiu virar a CPMF. Agora, em um cenário como esse, onde sua
aprovação diminuiu, acho mais improvável ainda. Além disso, a base do PT
não gosta dessas propostas. O Lula não vai mexer nesse ‘vespeiro’ por
enquanto”, analisa o professor da FGV-SP.
Mudança de rumo
Ao traçar possíveis cenários, Nunes afirma que se o Lula optar pelas
medidas preconizadas pelo PT, “tudo indica que haverá uma inflexão
[mudança] nos rumos da economia em direção a uma política mais
expansionista do ponto de vista do gasto público”, com estímulo à
demanda interna.
Para ele, esse caminho seria um “tiro no pé” na atual conjuntura, já
que as famílias, as empresas e o próprio governo estão endividados.
“Medidas de injeção de crédito funcionaram em 2008, porque, naquele
momento, havia espaço para endividamento, uma grande capacidade ociosa
da economia e uma demanda pronta para ser estimulada”. ressalta o
professor da FGV.
“O problema é que, hoje, está todo mundo excessivamente endividado.
Ninguém vai tomar crédito, porque precisa pagar dívida de imóvel, de
carro que financiou em 20 anos”, diz ele.
Segundo o Banco Central (BC), a proporção do endividamento das
famílias do País sobre a renda acumulada em 12 meses era de 29,72% em
janeiro de 2008 e saltou para 45,59% em novembro do ano passado.
Nunes ressalta também que gastos públicos com crédito podem
pressionar ainda mais a dívida bruta do Brasil que, atualmente,
encontra-se no patamar de 67% sobre o Produto Interno Bruto (PIB). “As
previsões já indicam que a dívida vai passar de 80% sobre o PIB em
2018.”
Riscos na inflação
Ainda que as famílias e as empresas não tomem empréstimos, Balistiero
destaca que a injeção de crédito na economia implica em riscos
inflacionários. “Quando o governo aumenta gasto para oferecer crédito
ele pressiona demanda agregada que impacta, por sua vez, a inflação.
Despesas do governo são um dos itens da demanda agregada da economia”,
explica ele.
“Além disso, o consumo privado pode usar uma parte do crédito para
pagar dívida antiga e ir se endividando ainda mais. […] A questão
principal no caso do crédito é que não podemos negligenciar o dinheiro
que vai para o mercado. Esse dinheiro que entra na economia pode virar
demanda. Ninguém garante que as pessoas não vão usá-lo para consumir”,
comenta ele.
Ainda que o governo se decida pelo crédito, Balistiero se questiona
da onde virá esse recurso. “Mesmo que seja uma linha de crédito voltada
para a construção civil [área geradora de emprego], qual o recurso que
vamos utilizar? Os bancos privados serão convencidos? Do ponto de vista
político, isso parece pouco factível”, ressalta ele, lembrando sobre a
escassez de receitas provocada pela recessão na economia do País.
Estados
Nunes pontua ainda que o PT é mais “simpático” ao “perdão” da dívida dos estados junto à União. “Se ocorrer um desconto no estoque
da dívida dos estados, estaremos criando mais espaço para aumento de
despesa dos entes regionais, o que não é bom em um momento em que
precisamos fazer ajustes”, diz.
Para Balistiero, há um outro cenário possível com a entrada de Lula
na Casa Civil. Ontem, especulou-se, por exemplo, que Henrique Meirelles
poderia assumir o BC no lugar de Alexandre Tombini. “Isso seria
positivo, já que Meirelles é conhecido por não ter deixado a inflação se
descontrolar em oito anos do governo Lula. Ele tem credibilidade
perante o mercado. Seja na Fazenda ou no BC ele não implementará
políticas irresponsáveis do ponto de vista fiscal”, analisa o professor
do IMT.
Outra ideia do PT é utilizar nossas reservas internacionais para
criar políticas de estímulo à economia, o que para Orlando Fernandes
Assunção, da ESPM é perigoso. Ele explica que as nossas reservas
internacionais protegem a nossa balança de pagamentos – um dos únicos
aspectos da nossa economia que vai bem – já que garante ao País a
possibilidade de fazer conversão de moedas quando ocorre fuga de
capitais. Além disso, usar as reservas pode pressionar a dívida interna.
Apesar de o PT ser favorável a essa ideia, a presidente Dilma
ressaltou ontem que não irá usar as reservas nem alterar rumos na
economia.
Fonte: DCI - SP
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